sábado, outubro 20, 2007


A serenidade do mar, tranquilo naquela tarde de inicio de outono, ainda quente, mas já amarguradamente fresco, contrastava com o frenesim de sentimentos da tua alma. O leve nevar de areia que fazias acontecer incessantemente revelava o teu mal estar e a tua angustia, sintonizada com aquele tão nobre ódio à pessoa,pelo simples facto de ser pessoa, pela irrelevancia da sua existência, entrelaçada com a terrível irrenunciável grandeza da humanização da sua vida. A brisa que percorre os teus cabelos, mais curtos, mas que ainda ondulam ao sabor da melodia silenciosa do ar que o trespassa, como os arpoes mentais que perfuram a tua existência. De mãos dadas com a natureza, despiste-te de humanidade, vestindo-te de pensamentos, e na profundidade do teu desprendimento material orgânico, vegetas enterrando-te na areia, como que num funeral de ti mesmo, agendado ao segundo, destruído ao momento. Funeral de sofrimentos e mágoas que insistes em querer deixar para trás, mas que infinitamente te perseguirão, não te permitindo esquecer a humanidade que involuntariamente transportas, rejeitando-a, rejeitando-te, como rejeitas a dominação do teu domínio, quando te perdes nos sentidos, já cheirando as texturas das peles que te tocam, e que rejeitas, abrando os olhares, provando os sons do delírio da prisão dos odores tocados por ti, não por quereres, mas por seres. Essas crianças velhas que te enchem alegremente de raiva à sua passagem, deixando-te em delírio na mistura do som das suas vozes cansadas de emoções com o ranger profundo do mar calmo de fim de tarde, fogoso e colorido, como tu não queres mais ser, apenas te prendem quando te inundam a pele de sons quentes, fundindo o gelo negro em que te incorporaste, deixando.te a nu, desprotegido de quem és. Quando caiu o sol e o negro da noite clara de quarto crescente, na sua morte já, tu jazias já dento de ti, enterrado na areia que nevaste, chorando ainda lágrimas de sol, libertando-te do colorido prateado da noite que te envolve, ate te levantares e dares-me a mão, salvando-nos novamente, eternamente.