segunda-feira, junho 16, 2008

As cinzas do lume apagado jazem ainda dentro de mim. Visto-me de ti, perfumando-me com outros odores, incendiando pedras, queimando ferros. O perfume que deixo no que não é meu, não é meu. O odor que trago comigo é o teu. Deixo-me estendido, vencido, prostrado na realidade sombria das cinzas apagadas, que por vezes sopro, imaginando-as incandescentes, ardendo dentro de mim novamente. Não tenho grandes propósitos. Tenho apenas muitos sonhos. Do sono profundo que me embala a todo o tempo não quero acordar. Dos meus desejos quero ser livre, para limpar o meu ser de ti, limpando-me ao que deixaste de mim, num acto de crueldade para comigo, expondo-me a mim novamente, para sofrer livremente as dores de quem sofre por nada ter, deixando de sofrer as alegrias que já não o são, e as tristezas que já não existem. Quero o vazio à solidão. Aquele posso preenche-lo um dia, esta já me ocupa por completo. Eu sopro as cinzas e elas espalham-se mais por mim. Eu deixo-as ao vento e ele desaparece. A confusão entre o que fui e o que sou é a mesma que entre o que não sou e o que quis ser. Mas no fundo sou coerente. Sou o que não quero, e fui o que não quis; não sou o que quero e não sou o que quis ser. No redondo do meu pensamento, fui e sou um tudo-nada contrário a mim. Foste em mim, és sem mim, fui por ti, não sou.