domingo, julho 29, 2007

Sentado no banco de jardim à tua espera, à mesma hora de sempre, no mesmo canto, na mesma posição, fixando o olhar nos mesmos pontos de sempre. Como sempre vieste pelo meio do jardim. Afastando à tua passagem os pombos que ali teimam em obstruir-te a passagem. Estranhamente não sorrias. Estavas com feições serias e escuras. Quando te aproximaste mais reparei no negro debaixo dos teus olhos e a tua tez estava mais clara e mais baça. Trazias a mesma roupa com que te tinha visto na noite anterior na festa. Tinhas os sapatos manchados e o cabelo mais despenteado que o normal. Cumprimentaste-me cordialmente, como sempre, e sentaste-te ao meu lado, com verdadeiro desconforto. Não olhavas para mim e começaste a balbuciar, cansadamente, algumas palavras, às quais não dei atenção, olhando para ti e tentando escutar-te a alma mais do que as palavras que enrolavas. Finalmente despertaste-me a atenção quando começas: “Sabes… ontem… depois de saíres de lá…”. Nesse momento o meu coração, apaixonado por ti, parou de bater ritmadamente, batendo impulsivamente. Alguma coisa, depois de me beijares e dizeres “amo-te” tinha acontecido. Eu não sabia o que era, tu não me conseguias contar, desaguando na foz de um mar de lágrimas sofridas. Olhaste para mim e descreveste pormenorizadamente o “acontecimento”, terminando com o cliché “não valho nada, não te faço feliz, não podemos continuar nisto, amo-te mas não te mereço, desculpa todo o mal que te fiz, se quiseres devolvo-te os cd’s amanha”. Tinhas-me traído, estavas com o corpo e a alma conspurcada, odiei-te naquele momento, desejei-te todo o mal que me é possível imaginar para ti. Baixaste a cabeça a chorar compulsivamente. Peguei na tua cara para que me olhasses nos olhos, e disse-te “amanha, aqui, à mesma hora, com os cd’s!”. Levantei-me e sai, deixando-te a chorar, chorando eu também, sem tu veres, sem ninguém ver, chorando por dentro, chorando na alma.

Ontem vi-te caminhar no mesmo caminho, com os mesmos passos, sentando-te no mesmo sítio. Eu não estava lá. Nem fui para lá.

Hoje passei por lá. Ainda lá estavas, no mesmo sítio, a chorar ainda. E eu amando-te não parei, e chorei para fora.

domingo, julho 22, 2007

Deitas-te ao meu lado e adormeces. No teu sono profundo pronuncias o nome de alguém. Não entendo o teu balbucio, mas sei que não é o meu, mesmo estando deitado ao teu lado e tu me tenhas dito, antes de adormeceres, para te abraçar esta noite para sermos muito felizes. Levanto-me. O meu movimento suavemente brusco agita-te e silencias-te. Vou à varanda e olho a serra. Vejo os primeiros raios iluminar o céu, mas eu escureci por dentro com aquelas tuas palavras, imperceptíveis mas acutilantes. Fumei o primeiro cigarro juntamente com a primeira lágrima, quando fumei o ultimo já não tinha lágrimas e já era de dia. Notaste a minha ausência no leito em que descansavas, sem mim. Olhaste a janela e vendo o meu vulto chamaste-me com uma voz rouca e baça. Não respondi. Tu, que não me amas, mas que acreditas no conforto que te dou, viste ter comigo perguntando-me “que se passa?”, deixando no ar um odor de simpatia que inalei e fiz de conta que acreditava, escondendo-te a verdade que esta dentro de ti e que me revelaste no teu sono, sem saberes, e que eu fingi para mim esquecer naquele momento, escondendo de ti aquilo que escondeste de mim, porque o conforto que me dás é verdadeiro, ao contrario do amor que finges. Fomos de novo para a cama. Eu tinha o corpo frio e o teu ainda estava morno. Despidos e abraçados, exaltamos a nossa libido e, tu por desejo e eu por desgosto, entregamos os nossos corpos ao prazer carnal, num acto violento e doloroso, para mim que sofro por saber que não te entregas a mim apenas por escolheres, mas por não poderes ter o corpo que desejas.

Vamos no carro a ouvir o vento passar por cima de nós com a capota aberta. O rádio está desligado, simplesmente não se ligou. Vais a conduzir, estou cansado. Começas a falar. Não dizes nada de jeito! Eu olho para ti e peço-te para saíres na próxima saída, sentindo que sair do carro é a minha única saída. Quando paras e eu saio, dizendo-te que não vou continuar viagem contigo e para deixares a chave do carro com o porteiro, assusto-te. Mas eu não voltei a entrar, nem no carro nem em ti. E tu não saíste da minha cabeça ate hoje.

terça-feira, julho 17, 2007

Embora sem amor por ti dedico-te este poema, que não me pertence, por mo teres mostrado e com ele teres intensificado os sentimentos que de amor que preenchem. Obrigado Mafalda.


"Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distração animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero.
Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar."


Alberto Caeiro

sábado, julho 07, 2007

Deitado no teu colo sinto o bater do teu coração atraiçoado pela vida, atraiçoando o meu, espetando ritmadamente farpas no tecido suave do amor que partilhamos. O calor dos nossos corpos juntos, escorrendo lágrimas de podridão reconforta o meu corpo. O deleite dos teus olhos confrontados com os meus reconfortam-me a alma, que aos poucos te entrego, para encher de alegria o triste vazio que te preenche, para encher de amor o espaço que a dor deixou sem aviso.

Dentro de ti, partilhamos a sensação de prazer da entrega absoluta e desmedida, impensada, imoral, totalmente desprovida de mascaras, nua como nós, livre como não somos (quanto não seja do nosso passado), intensa como sempre foste, como sempre fomos, como temos sido, como, ainda que farpado, e por isso mais forte, o tecido sedoso do nosso amor me faça acreditar que seremos.

Dentro de mim o vazio da solidão acompanhada é preenchida pelo júbilo do momento, que se prolonga por horas, por dias, pelo indefinido, que não acaba nunca, e nem é preciso procurar mais a perfeição das coisas, porque a mais alta e nobre delas já a conheço, e partilha-la comigo.

De pé, caminhando lado a lado, rumo ao impossível estado de pureza, somos abalados por ventos malditos, chuvas tempestuosas, e uma secura que nenhum sol, mesmo que rei, alguma vez conseguiu alcançar. Mas lado a lado, juntos, de mãos enlaçadas, e sem medo vencemos o passado e o presente, alcançando um futuro mais risonho, mais doce, ate que, como por magia, entramos num mundo de ternura, semelhante ao escorrer de chocolate derretido, calmo e forte, prazeroso e impossível de deixar, como tu.